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Sina

Jean Sartief

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Desaba aqui essa urgência de expelir o espinho. Eu tão sem cuidado.

Agora faz-se radicular e penetra e rasga. A minha dinâmica das mãos nuas.

O descanso reside em um pequeno arbusto seco. Vulnerável como no teu mundo.

 

De onde não se espera nada. Um rufar que cresce. Ouço a vida.

Não de véspera. Acossado todos os dias como um corpo que dança

entre galhos secos. Talvez não só ele.

 

Desatina a sinfonia. O acorde do dia. O passo. Tenho o convite do teu silêncio.

Porque agora tudo gira aceso em torno da sepultura. O cultivo e a memória.

Lateja sem epitáfio. Carece de empatia a evidência da tua não linguagem.

 

Só o agro. A pequena cruz. O escândalo de uma fissura no corpo.

O dogma. O desconsolo. A bala – que não era desenganada – atravessou o peito.

O espinho cresce como a tua natureza de nãos sem fim.

 

A vegetação que se apodera da ruína, nunca o contrário. Eu aceito o espinho.

Aceito o estremecer como um encontro em um cinema abandonado.

Aquilo que não há sentido. Sento na poltrona cheia de pó. A tela vazia.

 

Matura a imagem nauseante. O sangue descia-lhe pelo peito

como uma inundação violenta transformando a ausência em grito.

O mais evidente desaba. Desata frente ao distúrbio em sua magnitude.

 

Olhos vulcânicos na paisagem improvisada que toma tudo em súbito. O repasto,

o cansaço, o lume. Alguém disse: morreu! Não houve tempo da partilha.

Houvesse feito tudo regular para não deixar no avesso impressões bastardas.

 

Oro – nesses arrepios –  simultâneos  para que consigamos preservar

algo puro. Sede entre tochas. Previamente sei de mim com palavras desde

o primeiro dia e tudo estava ao alcance. A curva, a dor e as ametistas purpúreas.

 

Os dias acesos, o apetite avassalador e o lamento do sal.

Nada fez-se em nossas buscas e repetimos o insensato do espinho guardado.

Aquilo que rasga por dentro. A saudade entranhada nesse corpo demente

 

Como um pássaro sem penas que lança choro sedento de voo.

O que ainda sangra. O espanto que permeia. O olhar afiado desmembrando a alma.

O confronto no lícito supor de que tudo vai bem.

 

Vasto campo diligente - transfere o fino pensamento

com um gesto minimalista em enlace. Eu tenho tão pouco.

Já é tarde. O cansaço é uma penumbra na salina.

 

Eu pergunto se tu amarias este rumor dos meus olhos que ainda sangra borbulhante.

Desconfio dessa pressa bruta descorada de tornar-se carne feita de pedra,

ciente de que a ignorância é a fera camuflada.

 

Agora é consumir a tua ausência todos os dias, em todas as datas comemorativas.

Já não te convidarei para cafés, escapadinhas de fim de semana,

shows duvidosos e sorvetes em dias frios. Já não estás aqui.

 

Quando caiu o risco da noite, apenas senti-me ainda mais fragilizado.

Senti-me no enigma da peregrinação sem a regalia do sorriso

e no mapa dos territórios não tive coragem de assumir-me astronauta.

 

Mesmo depois do colossal desencanto das embarcações, do vastíssimo

tecer que desdobra-se a serviço do contínuo bordado dos dias, não houve

 repouso. Fulvos olhares e perdi a barca. Me desculpe!

 

O ser planetário já não existe. Apenas a aversão, o vazio transparente,

este luto que ninguém consegue esconder. O ressoar do pasmar dos dias

que ainda me tocam. Arrefeço a dor dos eixos que nunca me foram estáveis.

 

Nada mais unifica o existir. O que desdobra dessa dominação da maldade e da insensatez?  Desse assassinato todos os dias? Do turbilhão da impunidade praticável do ranço? Como uma vendedora de flores que desfaz as pétalas. Os dias covardes.

 

Logo chegará o frio que resiste a tudo e a palavra em ardência nunca será frágil.

O pássaro canta o mistério e quem me lê nunca há de descobrir o espinho que me toca.

O teu nome valsa. Estava nos encantos do canto de Tessalônica.

 

Sob tuas medidas, a voz suave nos vocábulos a perguntar-me se eu me apaixonei.

Não soube a exatidão do desejo. Respondi-lhe errado. Perpétua concha que abre a boca e morde. Lentamente à espreita, o espanto com enigmas da mão afrontada. Urdida.

 

Debulhada devagar. Não desfaz os vícios com as ameaças. Talvez por disputas.

Tão pouco evoca arrependimentos e mea-culpa. Senta ao teu lado com a foice sem que deis conta...Tange os pensamentos como cabras desesperadas.

 

Leva-me como a dor neste abraço. À margem e ainda assim escrevo.

Traço a dor na carne com o carvão sob a palidez do corpo que se impõe

como um risco percorrido de cima abaixo como o clarão do inacessível desejo.

 

Os sentidos puros e ouros no corpo para devorar a anatomia.

O mapa de uma constelação invisível que poucos souberam. Rara cortesia.

A lua inquieta, branda, pousa entre sargaços. A pele, antiga lava.

 

Agora pedra, escura, fértil, pome. A rocha que flutua. Livre do fardo,

do embaraço, do repúdio, do peso do prédio que esmaga,

das vísceras caídas sem cortejo e cantoria.

 

Crepúsculo transcrito em chispas. Chispas e espinhos.

Torpe traçado longínquo com flores promíscuas da última colheita. A tempestade anunciada esventra o medo de permanecer como um frágil barco em corais afiados.

 

Soçobrei. Para sorver esse devaneio eloquente em febre há que ter ossos pousados em pedras, daquilo ao alcance movediço onde a queda encharcada é prenúncio

e depois da dor (de toda a dor), zelo.

Edição 6

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