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Quatro Sete Oito / Para que servem as encruzilhadas

Paula Fonseca

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Quatro Sete Oito 

o redemoinho aqui no meu peito
retorce as pontas dos meus pulmões
a tensão é alta e rompe os tecidos
espalha farrapos em todo lugar


a minha traqueia parece pequena
mas cede passagem a formigas miúdas
centenas, centenas de milhares delas
dançam rumando ao meu vendaval


correm, erráticas, cava adentro
me fazendo cócegas que repudio
meu coração, sem escolha, espirala
e o redemoinho vira furacão


sufoco em meus próprios fluidos mexidos
por hélices desgovernadas em mim
na pele do rosto a vermelhidão:
a força centrífuga em minhas membranas


minhas cavidades são todas formigas
cargueiras de ácido no intestino
a dor que então sinto encontra seu ritmo
é par da batida que ouço no tímpano


o furacão é também maremoto
na terra seca, uma onda gigante
parte de onde o caos nasceu
sua sombra me assombra por dentro e por fora


a onda se quebra em meus braços e pernas
e sei que meus dedos não vão suportar
anoiteceu? o inverno chegou?
o frio súbito de onde vem?


o veredito: acabou o meu tempo
sim, o meu corpo desistiu de vez
conto até quatro, até sete, até oito
contrita, pequena e sozinha no fim


imploro ao meu peito: se encha de ar!
e ele obedece. ou sou eu que permito?
um choro escapole com a expiração
o mundo se acalma na minha exaustão

Para que servem as encruzilhadas

E assim
de súbito
como tudo na vida
dois caminhos
ou três
ou mil
mutuamente exclusivos


Às vezes
um caminho só
e algo em mim
sussurra
que eu não deveria
segui-lo
Em outras tantas horas
abro os olhos
aqueles com que nasci
aqueles que aprendi a ter
em busca da trilha
que tanto preciso


Arregalo-me
mas não há por onde andar


Múltiplos
únicos
inexistentes
todo caminho é encruzilhada
em origem
em continuidade
o andar-início
o andar-encerramento
o andar-sem-sair-do-lugar


As possibilidades
que por vezes desejaria não ter
As escolhas
que me sinto incapaz de fazer
Os pontos de interrogação
em neon piscante
que brincam de atrair
e de enxotar
A obrigação
de escolher o melhor
analisar e dissecar
cada possível com se
A certeza fosse algo que
sempre
aparece
depois
que o pique-esconde acaba
A mania
de achar preciso
o cálculo vago
aquele que faço
como se não existissem
as variáveis que desconheço
O apego
à probabilidade
que a confunde
com o indubitável.


Um dia
acreditando que as encruzilhadas
todas elas
eram angústia e nada mais
encontrei ironia
na minha convicção
pois não era engraçado
que algo essencialmente
multíplice
tivesse que ser uma coisa só?
A ironia
era só
o prelúdio
do absurdo


Sorri


O absurdo só é
disparate
enquanto não é
percebido


Notei-o


Haveria esperança
para a minha angústia
então


Pus-me a pensar


A certeza é a
fantasia
que permeia
a vida
dos onipotentes
E eu
cujo
único poder
concedido
foi esse ruminação
infinita
de ideias
jamais
poderia encontrar
sossego
na encruzilhada
que me exige
conhecimentos
certos


Ruminando
entendi
a encruzilhada
não é
angústia


Separemos
pois
as
coisas


Entre o certo
e aquilo de que se duvida
não há nada
além de uma
gradação
de probabilidades
No meio delas
estão todos
os caminhos
mais certos
menos certos
nunca certezas
nunca absolutos


Encerra-se assim
o absurdo


Meus cálculos
jamais
serão exatos
até o caminho
escolhido
com análises
complexas
e lógicas
pode não ter o
destino
que se intenta
o "e se"
sempre
vai existir
mesmo
que
eu me esqueça
dele


E as encruzilhadas
existem
para expulsar
de mim
a obrigação
de ter
certeza.


A responsabilidade
não se vincula
à decisão tomada
no ponto cego da existência


Dispo-me
da necessidade
de convicção
Observo
as evidências
sem associá-las
a segurança
Abandono
a megalomania
Compreendo
aceito
acolho
a minha limitação
Manejo
a vida
com a lucidez pacata
de quem
Desenxerga
sucesso ou fracasso
Vejo-me
humana
viva
cheia de possibilidades
crente no acaso


Faltam-me certezas


Não me faltam não
Não preciso
dessas
certezas
Preciso de
caminhos
Preciso caminhar.

Edição 6

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