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Ao ouvido / Simbiose

Deanna Ribeiro

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Ao ouvido 

do que é feito o silêncio

de algum fogo morto das dores remediadas

das palavras que ainda não dissemos

 

 (da boca à sombra de outra boca

 que de tão próximas dispensam a fala)

 

ou do que pressupõe existência

 

quantos sons será preciso para ouvi-lo

o pássaro a britadeira

o pneu levantando água da poça

 

os estalos dos dedos

a síncope do fonema

 

um som se faz de silêncios vários

debaixo do óbvio

mas não se propaga no vácuo

 

(ou será o próprio ar não vibrado

capaz de guardar apenas pra si

o ruído que se faria ouvir caso contrário)

 

som e silêncio alvoroçam na corda

ensolaram e tremem

gêmeos na cadência do tempo

simbiose

num dia desses de vento sobre a pele

– como um lábio de sopro quente –

a maré cheia estendeu sua rede

na beira da praia feita de renda:

bolha espuma branco e verde

 

saiu rolando conchas e algas

plantou meus pés no tempo das ondas

e virei árvore na margem d’água

 

imaginando brânquias

            emaranhando a mente

                        obedecendo a brisa

 

estátua de carne e osso

– a relva alvoroçada –

 

o tempo em mim passava

fazia cócegas no ventre

 – que doía –

e esperava o sangue

os seios seguindo o ciclo

 

e eu meio árvore nascida de fora pra dentro

– porque coberta de areia até o tornozelo –

também era fauna nativa em meu próprio corpo

 

penugem de ave garra de onça

            perna de garça língua caninana

                        enramada de folhas pelos braços

 

reconhecida enfim floresta atlântica

 

beijei então as extravagâncias do meu bioma

acolhendo o que em mim raia natura

afinal somos meio bicho meio pedra meio planta

 

no amanhecimento amava meus ritos

admitindo a fera revelada

 

e abri bem os olhos como reza

pedi a uma deusa e a todas elas

que apesar de tudo fosse leve o passo

 

(eu esteja com elas

e elas por qualquer parte)

 

luzia cores a minha aurora

um arco-íris bebendo d’água

que brotava de todo oco

 

o mar salgado molhava os sins

aguando o canto que ali brilhava

chiavam as ondas soavam as folhas

diziam as deusas

– seja

 

serei: natureza e encanto

enquanto o tempo assim quiser

Edição 6

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